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No triângulo açoriano

Cinco aviões e quatro barcos depois, eis-me inteiro para partilhar a viagem pelo grupo central dos Açores.

Gonçalo Câmara

Deu para tudo. Deu para escrever, deu para surfar, deu para estar sozinho, deu para estar acompanhado, deu para desbravar, deu para fazer reportagem, deu para reencontrar pessoas e lugares, deu para ver a família, deu para matar saudades da montanha, deu para moldar carácter, deu para estar em silêncio, deu para conversar, deu para redescobrir estradas, caminhos de mar ou terra batida. Os ciclones que circulavam pelo Atlântico e que rodeavam o mar dos Açores vieram fazer da tempestade uma esperança para o que fica depois do tempo.


Esta viagem de volta ao grupo central passados alguns anos voltou a alinhar o verdadeiro sentido de arquipélago. Não só pelo que mostra o dia mas pelo que mostrou a Montanha do Pico quando a subi de noite. Com tempo seguro e sem receios, vimos o Faial, S. Jorge, a Graciosa e a Terceira. Lá bem do alto, iluminadas pelas constelações a céu aberto numas horas onde as palavras ainda estão para se arranjar. Subi a montanha até ao topo mais alto de Portugal. Subi de noite. Apanhei o barco de S. Jorge para o Pico, cheguei pelas dez da noite e encontrei-me com o guia que me ofereceu a sua casa durante umas horas para descansar e preparar a escalada. O Renato é o guia mais famoso do Pico, já subiu a montanha mais vezes que a altura da própria e muitas delas no mesmo dia. Cheguei a desconfiar se aquilo seriam pernas ou placas de titânio. Mas de facto, é uma força da natureza. Apaixonado pela montanha, diz que as subidas lhe vão resolvendo a vida. Não sobe por dinheiro senão por respeito e por amor ao caminho. Renato Goulart é um guia fora de série. Subimos às duas da manhã, chegámos ao topo às cinco. Dormi no ponto mais alto do país até o sol nascer. Nessa caminhada dura íamos parando e desligando as lanternas para contemplar o que nos rodeava. Céu aberto a transbordar constelações, satélites em movimento, as ilhas próximas iluminadas. Uma noite de encomenda. Se custa a subir, é ainda mais doloroso a descer. Tomei o pequeno-almoço em cima das nuvens e desci de barriga e coração cheios. Cheguei novamente à base pelas onze e meia da manhã. Ainda hoje me tremem os joelhos. Mas se assim não fosse, não seria digno de partilha.

 

É importante referir que eu estava sempre a dormir em S. Jorge e quando tinha que ir ao Pico, apanhava o barco que ligava Velas ao porto da Madalena. A viagem dura cerca de uma hora. Da primeira vez que apanhei o barco, a ondulação de três metros acusou o estômago de alguns passageiros. Felizmente não o meu, mas receio que mais meia hora de viagem e tinha ficado enjoado também. Revisitei a ilha e tinha barco de regresso a S. Jorge nesse mesmo dia às sete da tarde. No entanto, pelas quatro da tarde recebi uma mensagem a dizer que devido as condições adversas, o barco tinha sido cancelado. Plano seguinte: avisar o hostel em S.Jorge para não se preocuparem que no dia seguinte lá estaria de novo e arranjar um sítio para dormir essa noite no Pico. Tinha roupa para apenas um dia. Acabei por encontrar um recém-casal que estava de lua-de-mel na ilha e que me convidou para dormir na sala da casa de campo onde estavam a dormir. Os imprevistos das viagens têm destas coisas. Mas nunca me imaginei interromper uma lua de mel e ficar a dormir num alojamento de cinco estrelas sem pagar um tostão. A tempestade trocou-me as voltas e eu, neste caso, até agradeci. 

 

De regresso a S. Jorge fui até à costa norte da ilha para me deslumbrar com as magníficas fajãs. A fajã do Ouvidor com a inigualável poça Simão dias, a fajã dos vimes com o famoso café Nunes, a fajã dos cubres e a fajã do St Cristo. Estas últimas duas são as minhas favoritas. Não é fácil lá chegar e talvez por ser tão remoto, é tão especial. Nunca comi umas amêijoas tão grandes como as da caldeira do St. Cristo. Amêijoas do tamanho da palma da mão, com um refogado de cair para o lado. Uma dose é uma refeição. Porque nunca comemos apenas as amêijoas, temos de lá ir molhar o pão certo? 

De barriga cheia, barcos no porto e pés no chão, regresso para vos contar os detalhes de mais uma ida ao paraíso. 

As ilhas esclarecem sempre quem regressa.

 

Veja a galeria de imagens:

Vista de São Jorge para o PicoVista do Lava HomesEstrada na Ilha do PicoFajã dos CubresFajã do OuvidorNascer do Sol na Montanha do Pico
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