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Viagem à Arábia Saudita: do café ao oud

A grande potência sunita é conhecida pelo regime islâmico austero. No futebol, a austeridade é o baixo número de golos da sua seleção.

Gonçalo Palma

A seleção da Arábia Saudita aparenta ser o elo mais fraco do Grupo C. Mas os ares desérticos do Catar são o seu habitat. 

A jogar quase em casa
É o sexto Mundial para a Arábia Saudita, que disputa a competição praticamente em casa, no pequeno Estado vizinho do Catar. É uma das grandes vantagens desta seleção sem estrelas e em que predomina o plantel do Al Hilal, o atual campeão asiático. Outro ponto forte a ter em conta desta equipa é o facto de ter terminado o seu grupo de qualificação asiático em 1º lugar, à frente de adversários respeitáveis como o Japão e a Austrália. O responsável por esta bem-sucedida campanha de qualificação é o selecionador francês Hervé Renard, homem das diásporas africanas, que passou pela Zâmbia, Angola, Costa do Marfim e, por último, em Marrocos. 
É motivo de preocupação o baixíssimo registo de golos marcados pela seleção árabe: apenas 5 em 11 jogos este anos, o que dá uma média inferior a meio-golo por partida.   

Era proibido mulheres no futebol
Ou quase. As pessoas do sexo feminino passaram a poder assistir a jogos de futebol em três estádios em 2018, num país que é 23 vezes maior que o território português e três vezes mais populoso que o nosso. Se para assistir, há já opções (embora muito poucas), para as mulheres jogarem futebol, só passou a ser possível em 2020 com uma liga nacional, jogada em três cidades. Este ano estreou-se a seleção feminina da Arábia Saudita.

O futebol era mesmo para homens - mandava a lei árabe. E nesse campo a seleção masculina do país dos califas tem já alguns troféus de que se pode orgulhar, nomeadamente três títulos de campeão asiático. A nível de Mundiais, o êxtase aconteceu em 1994 com o golo de Al Owairan contra a Bélgica, num brilhante lance individual em que o atacante corre com a bola mais de metade do campo, driblando quatro adversários, aguentando uma carga faltosa e antecipando-se a um defesa e ao guardião Preud'homme com um remate fulminante para as redes. O golão, eleito com um dos melhores do século XX, valeu a única passagem da Arábia Saudita à segunda fase de um Mundial. Aquela era a estreia da seleção no maior evento futebolístico. As três participações seguintes em Mundiais foram bem mais secas, sem direito a qualificação para os oitavos-de-final e sem qualquer vitória.

O dinheiro do petróleo tem permitido à Arábia Saudita ser mais um importador que um exportador. A classe de treinadores portugueses, habituada às diásporas, que o diga. Já tivemos vários profissionais na liga árabe: Toni, Manuel José, Eurico Gomes, Toni Conceição, Mariano Barreto ou Jaime Pacheco, e até Vítor Pereira cuja passagem ficou marcada por uma polémica conferência de imprensa, na qual um moderador tentava filtrar o que devia dizer: "i speak the truth", respondia-lhe o treinador espinhense. Um dos desempenhos mais notáveis foi o de Leonardo Jardim, que venceu a Liga dos Campões Asiática em 2021, ao serviço do Al Hilal, o clube com mais títulos dessa competição continental.


Proibido tocar música
Devido ao haraam (um dos cinco mandamentos islâmicos), os estúdios de gravação são proibidos e a música é condenada pelo sistema do país como um prazer pecaminoso. Quem quiser ser músico, tem que sair da Arábia Saudita. Tariq Abdul Haqim é um dos grandes da música do país: o multi-instrumentista é o autor do hino nacional. Outro dos gigantes e um dos cantores árabes com maior visibilidade no Médio Oriente é Mohammad Abdu, muitas vezes engalanado por acompanhamento orquestral e que se tem preocupado em manter viva a tradição musical oral do país.

Mas talvez a maior estrela da música seja mesmo um instrumento: o oud, muito semelhante ao alaúde. Os dedilhados virtuosos naquele lindíssimo objeto de madeira costumam colorir a reprimida música da Arábia Saudita.

 

Proibido comer porco e beber álcool
O regime islâmico austero do país não permite que se coma carne de porco ou que se consuma qualquer bebida alcoólica. Mas não é má educação comer com as mãos. E até é de boa educação comer-se sentado com o prato no chão, sem mesas.

De todos os pratos, o mais popular é o Kabsa, recheado de arroz, acompanhado de carnes (de preferência, de frango) e fortemente condimentado por especiarias, em especial o açafrão. A carne de borrego é muito requerida por um povo que até 2015 podia comer camelo.

A nível de bebidas, o café árabe tem muito boa fama. É demoradamente fervido num sumptuoso recipiente metálico, a que se junta cardamomo e açafrão.


Proibido votar
A Arábia Saudita pode ser o maior exportador de petróleo do mundo e ter alguns dos maiores bilionários mas é uma espécie de Estado Islâmico, só que com boas relações com o Ocidente. O regime legal saudita está amarrado à Sharia, com uma interpretação rigorosa dos mandamentos islâmicos que não difere assim tanto da visão social dos terroristas da ISIS.

No reino saudita, vive-se um sistema típico da época medieval, de monarquia absoluta. É o país do mundo onde mais pessoas são executadas em público, à pedrada ou decapitadas, sem julgamento prévio e sem hipóteses de defesa - o comportamento homossexual e o adultério podem levar à pena de morte. Ao invés, o homicídio é normalmente visto como uma disputa pessoal que pode escapar a um julgamento penal. A Arábia Saudita era até ao ano passado o único país onde as mulheres eram proibidas de conduzir. E os cinemas são proibidos por causa da escuridão da sala que pode levar à perversão sexual.

Esta potência sunita é também conhecidas pelos seus enormes desertos e pelas peregrinações em massa do mundo muçulmano às cidades sagradas do Islão: Meca (a grande peregrinação anual do Hajj) e Medina.