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Viagem à Polónia: dos lagos às bagels

Lewandowski e companhia vão tentar uma campanha no Mundial mais longa, depois do fiasco na edição anterior, de 2018.

Gonçalo Palma

Com a elegância dos grandes pianistas polacos e a robustez física típica dos habitantes do país, a seleção polaca pode almejar uma presença no Mundial um pouco mais longa do que tem sido habitual. Só a Argentina parece ser mais forte no Grupo C do que a Polónia.

Que saudades da 2ª fase
O dono da baliza da Juventus, Szczesny e o zeloso defesa-central do Aston Villa, Bednarek, foram a muralha decisiva que conteve o cerco ofensivo sueco no jogo de play-off que concedeu o visto dos polacos para o Mundial do Catar. Mas sem golos, nenhuma equipa se apura, e disso quem melhor para tratar do que o bi-Bota de Ouro dos últimos dois anos e Bola-de-Ouro da FIFA de 2020, Robert Lewandowski, com o apoio atrás do médio ofensivo do Nápoles, Zielinski, que tem estado em alta. Quando se olha para o banco da seleção alvivermelha e vemos uma garantia chamada Milik (atualmente no plantel da Juventus), que acertou duas vezes na baliza do Benfica na Liga dos Campeões da presente temporada, é caso para se levar a sério a Polónia, mesmo que estando longe de fazer parte do lote dos favoritos. Pelo menos, a seleção da nação católica de leste tem argumentos fortes para passar finalmente à fase de eliminatórias, algo que não consegue desde o México '86. As participações nos três mundiais em que se conseguiu apurar – nas edições de 2002, de 2006 e de 2018 – terminaram cedo, na fase de grupos.

 

Ciclo dourado 1972-82
Com o título olímpico de 1972, a equipa nacional polaca inicia um ciclo dourado de dez anos que não mais se repetiria. O tridente ofensivo Deyna, Szarmach e o melhor marcador do Mundial de 1974 Lato obtiveram nessa competição o terceiro lugar, posição de pódio a que voltariam no Espanha 82, já com o centrocampista Boniek e o ponta de lança Smolarek ao serviço da selecção.
 
Depois do México '86, a Polónia desaparece da alta roda futebolística durante 16 anos. Nesse período em jejum, a seleção olímpica é medalha de prata no Barcelona '92, com o ponta-de-lança Juskowiak em grande plano, o pedido de Bobby Robson que Sousa Cintra satisfez para o Sporting. Mas o jogador polaco que mais marcou o futebol português foi o guardião portista Mlynarczyk, que fez parte da equipa que seria campeã europeia e intercontinental, juntamente com jogadores como Madjer, João Pinto ou Jaime Magalhães. Em 2005-06, morou em Guimarães um ponta-de-lança polaco, Saganowski, com jeito para enfiar a bola entre os postes. Houve outros polacos na nossa liga, mas nenhuns deixaram tantas saudades como esses três.   
 


 
Povo que dança
 
A Polónia tem alguns dos grandes compositores de erudita, um dos mais notórios o contemporâneo Henryk Górecki (1933-2010). Arthur Rubinstein (1887-1982) é recordado como um dos grandes pianistas do século passado, ele que foi um dos melhores intérpretes da obra do seu conterrâneo Chopin (1810-1849). O pianista romântico já fez música para várias danças polacas aos pares mais eruditas como a mazurka ou a polonaise, muito apreciadas há séculos nas cortes europeias. Se o povo preferir uma maior informalidade de rua, tem a polka, animada por um veloz acordeão.
 


Herança judaica
 
É da Polónia que vêm as bagels, aquele pão em forma de argola (ou de donut), que pode levar sementes de sésamo e um recheio por cima com queijo e afins. Habituámo-nos a eles nos brunchs e há até em Portugal casas especializadas neste produto oriundo da comunidade judaica polaca. Num país dado a este bem alimentar, o pão de gengibre da Cracóvia é igualmente um dos mais considerados.  
 
Na antiga tradição agrária do país, as batatas, os pepinos, os cogumelos ou as maçãs são bastante usados nas cozinhas polacas. No caso das maçãs, elas aparecem de várias formas, num pato assado com batatas ou mesmo no strudel de maçã, que não é só nos países germânicos que se come.
 
A Polónia é um bom país para carnívoros, especialmente os amantes de carne de porco. Abundam salsichas de vários tipos, não é só na Alemanha. E há ainda os rolos de couve cobertos por carne de porco misturado com arroz, chamados de Golabki. Como bom povo católico, a Quaresma é muito levada a sério. Antes da mesma, há festividades que implicam uma série de bolos e donuts.
 
Nas bebidas, a vodka é muito popular na Polónia, com grande produção local, quase concorrencial com a Rússia. Outra bebida alcoólica característica é o sliwowica, espécie de brandy mais pesado.
 


 
Reflexos do lago e do projector

Só a Finlândia tem mais lagos na Europa que a Polónia. Para um país grande e interior, os lagos são uma dádiva. Formam-se marinas com barcos à vela, como nas localidades de Gizycko e Mikolajki, banhados por lagos imponentes. No Parque Natural de Bialowieza, a floresta também é imponente, onde podem aparecer entre as árvores os bisontes europeus, animais míticos e robustos mas em vias de extinção. Com inspirada mão humana, a lindíssima zona velha de Gdansk na zona ribeirinha impressiona o olhar, tal como a a efervescência de monumentos na antiga capital Cracóvia. Para que a memória de Holocausto da II Guerra Mundial se renove e não se apague, há o museu de Auschwitz, no antigo campo de concentração nazi.
 
O país de Copérnico (1473-1543), o homem do heliocentrismo, que passou a defender (e bem) o sol como o centro do sistema solar, é também um país de grande cinema. Roman Polanski é o mais famoso. Depois de uma filmografia de culto no seu país, internacionalizou-se com filmes como "A Repulsa" (de 1965), "A Semente do Diabo" (de 1968) ou "Chinatown" (de 1974). Se Roman Polanski foi para os Estados Unidos fazer a vida, até ter problemas com a justiça, Krzysztof Kieslowski preferiu fazer o seu trabalho de realizador em França, onde se despediu com a trilogia "Azul", "Branco" e "Vermelho", depois de ter filmado a atriz francesa Irene Jacob num papel de dupla personagem em "A Vida Dupla de Veronique" (de 1992), rodada em Cracóvia. Andrzej Zulawski (1940-2016) também sentiu necessidade de continuar o seu trabalho em França, onde conheceu o produtor português Paulo Branco, com quem trabalhou nos seus dois últimos filmes. Já Andrzej Wajda manteve-se mais ligado à sua Polónia e às suas transformações, sobretudo em "Man of Iron" (de 1981), sobre o movimento sindical do Solidarnosc.