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Redação
14 novembro 2022, 10:45
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Luísa Sobral: "há poesia até na forma como se escreve uma palavra"

Luísa Sobral: "há poesia até na forma como se escreve uma palavra"
Ana Paganini
Redação
14 novembro 2022, 10:45
"DanSando" é o sexto disco de originais da cantora e compositora. O novo álbum vai ser apresentado em Lisboa e no Porto em fevereiro.

Luísa Sobral mostrou "DanSando", o sexto disco de originais, a 21 de outubro. São 11 faixas com um propósito: cantar o amor. Cantar o amor de um ângulo mais íntimo, solarengo ou mais pop, porém, sem nunca esquecer o estado do mundo, as turbulências sociais ou as lacunas humanas que se evidenciam em tempos de guerra. Cantar e dançar mas sem esquecer a urgência pela justiça e pela paz. A urgência pelo amor. 

São os vários lados da mulher Luísa, da mãe Luísa. A Luísa que quer dançar com os filhos, e que a dança seja ao som das canções que gentilmente costuma oferecer aos outros, mas que também cria para expor o que a atormenta quando a vista é para o mundo.  

"DanSando" é ainda um manifesto de agradecimento. De gratidão. Luísa Sobral está grata pela vida que leva, pelos momentos leves e felizes da rotina familiar. Pelos seus. Com cuidado e com um profundo respeito pela palavra transformou em poesia (e em canções) a matéria-prima que nunca lhe foge das mãos - o amor. "DanSando" foi produzido pelo brasileiro Tó Brandileone (vencedor de um Grammy Latino) e gravado entre Lisboa e São Paulo, de março a junho de 2022. 
 
Os concertos de apresentação do sexto disco da cantora e compositora estão marcados para o dia 18 fevereiro na Casa da Música, no Porto, e a 25 fevereiro no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa.
    

Tens um disco acabadinho de sair, como é que te sentes com este trabalho?

Estou super contente. É um disco muito divertido de tocar. Já fizemos algumas apresentações na FNAC, já o mostrámos à imprensa. Deu-me muito gozo tocar este álbum. Nos últimos quatro anos, dei concertos sempre sentada. Atuo sentada há muito tempo. Estou farta de atuar sentada. (risos) É também por isso que me dá realmente muito gozo tocar este disco ao vivo.

O título - "DanSando" - tem um trocadilho. Trocaste a letra 'ç' pela letra 's'. Por que razão?   

[A ideia surgiu quando] estava a ver um documentário sobre a Sophia de Mello Breyner. Às tantas, nesse documentário, ouvia-a dizer que antigamente a palavra "dançar" escrevia-se com um 's' e não com 'ç'. Para ela, a mudança das letras não fez sentido nenhum porque o 's' é uma letra que dança e o 'ç' é um 'c' que está sentado. Quando ouvi essa teoria comecei a pensar nas palavras de uma outra forma. Existe poesia até na forma como se escreve uma palavra. Achei piada e quis que o meu "dançando" fosse "dansando", com a letra a dançar e não sentada

Nos teus últimos concertos eras um 'ç'...

Era, sim. Agora sou um 's'! (risos)

Tens dois convidados especiais neste álbum. O produtor Tó Brandileone (sobre o qual falaremos mais à frente) e o João Cunha que, segundo sei, foi teu aluno, certo? 

Certo. O João Cunha foi meu aluno nas aulas de escrita de canções. Fiz uma masterclass e um workshop com ele. Foi meu aluno em ambos. Apaixonei-me pela voz dele. Acho que tem uma voz lindíssima. Apaixonei-me pela voz e pelas composições. O João escreve muito bem. Quando comecei a escrever [para o novo disco] já tinha a voz dele a passear na minha cabeça. Pensei: 'acho que vou escrever um dueto para cantar com o João'. E assim foi. Fiz-lhe a proposta e ele aceitou.   

Como é que tu és como professora?

Na masterclass falamos sobre a escrita de canções mas não dissecamos o processo de composição. Faço isso nos workshops. Terás de perguntar aos meus alunos como é que eu sou no papel de professora, mas é algo que gosto muito de fazer. Gosto de dar aulas a pequenos grupos de alunos para conseguir dedicar-me às canções de cada um deles. A escrita de canções acaba por ser uma catarse. [Durante o processo] acabamos por nos conhecer muito bem. Até queria passar três dias imersivos com eles, num daqueles espaços de turismo rural. Talvez isso aconteça no início do ano. Gostaria de estar com os meus alunos nesse ambiente de partilha, a escrever canções. É sempre uma experiência muito emotiva, de entrega.   

E muito íntima…

Super íntima. É até uma forma de fazer terapia. A escrita de canções é um processo terapêutico. É uma maneira de pormos cá fora muitas coisas que nos angustiam, as nossas ansiedades. O mesmo acontece com o canto. Cantar também funciona como uma forma de exorcismo, além da escrita de canções. Cantar acrescenta algo ao que escrevemos. Quando cantamos, o processo de deitar para fora torna-se ainda mais emotivo. A nossa voz está muito ligada ao nosso coração. 

O que é que o produtor brasileiro Tó Brandileone trouxe a este disco?

Trouxe o disco inteiro. (risos) Escolho sempre o produtor que, na minha cabeça, faz sentido com aquilo que quero para o álbum. Por exemplo, o meu disco anterior ["Rosa"] não tem nada a ver com este. Era um disco só de guitarra e três sopros clássicos. Era muito intimista, muito despido. Era o disco que queria fazer naquela altura e foi por isso que fui buscar o Raül Refree, o produtor que trabalhou com a Rosalía (quando ela começou) e com a Silvia Pérez Cruz. Agora queria um disco muito mais feliz, mais pop. Foi por isso que decidi ir buscar o Tó. É um produtor que tem tido projetos incríveis no Brasil. Trabalha muito com as Anavitória, por exemplo. Também é meu amigo há muitos anos. A minha única preocupação era fazer o disco à distância porque gosto muito de estar presente nas coisas. Quando produzo discos tenho necessidade de estar presente fisicamente. Mas experimentámos e funcionou muito bem. Decidimos arriscar. Ainda assim, o Tó esteve cá durante uma semana para gravarmos as vozes. 

Qual foi o briefing que lhe fizeste, com o que querias para o disco?

Disse-lhe que queria canções mais alegres. Canções para poder dançar com os meus filhos. Para dançarmos juntos em casa. Eu sempre dancei muito com eles, mas nunca ao som das minhas canções. Eram canções muito melancólicas. Agora sinto que estou numa fase para agradecer. Quero agradecer a vida que tenho, os meus filhos, a minha carreira. Quero enaltecer o meu lado solar. Era isso que eu queria. Queria um disco solar, embora haja canções que abordam assuntos sérios e tristes, como a luta pela emancipação das mulheres, o que se está a passar no Afeganistão ou na Ucrânia. Até o desamor. Mas no geral é um disco mais solar que os anteriores.      

 

E já conseguiste dançar alguma canção deste disco com os teus filhos?

Como já não fazia um disco há quatro anos, este foi o primeiro que partilhei a sério com eles. Há quatro anos foi quando a minha filha nasceu e nessa altura o meu filho tinha apenas dois anos. Por mais que partilhasse alguma coisa com ele, não falávamos sobre as canções. Com este disco foi diferente. Ele já tem seis anos e ela quatro. Sempre que acabava uma canção ou quando o Tó enviava as partes instrumentais partilhava com eles. Conhecem o disco de cor. Nunca fui muito de tocar para os meus filhos. Achava isso um pouco estranho. Mas com este álbum foi mesmo diferente. Fui partilhando o processo com eles, para que me fossem dizendo o que achavam e para perceber se cantavam de volta. É importante para perceber se as canções são orelhudas. Já dançámos, sim. É um disco muito nosso. 

E quando os vês a cantar as tuas canções?

Fico emocionada sobretudo quando os vejo a cantar 'O Quadro que Pintei', que é sobre a minha vontade de agradecer a vida que tenho. O refrão diz: 'sou feliz assim' e eles são a imagem disso mesmo. Quando cantam essa canção, é ainda mais especial. Sou muito piegas nessas coisas. Choro imenso. Quando era miúda nunca chorava, mas entretanto deve ter desentupido qualquer coisa. (risos) Agora choro com tudo. Mesmo em palco tenho imensa dificuldade em não chorar. Às vezes, tenho controlar as emoções. É bonito deixarmo-nos ir, mas ninguém quer ver um concerto inteiro com a pessoa que está no palco a chorar.   

A canção 'Há Guerra' começa com o som de uma sirene e com palavras em ucraniano. Quiseste exorcizar a turbulência interior que sentimos, mesmo à distância, ao ver o que está a acontecer na Ucrânia? 

Sim. Escrevi essa canção quando começou a guerra. Nessa altura, sentia-me estranha a dar concertos, toda feliz. Parecia que estava a ignorar o que estava a acontecer. Sentia-me mal com isso. Foi por isso que resolvi escrever essa canção. E é com esse tema que termino os meus espetáculos. A mensagem que quero transmitir é que, apesar de estar muito feliz no palco e de estar a viver um momento muito bonito com o público, não quero que nos esqueçamos daquilo que está a acontecer aqui tão perto. É por isso que acabo os concertos com essa canção. Achei que fazia sentido inclui-la no disco.

Dizes que usas o amor como matéria-prima para a composição. Como é que moldas essa matéria?

Se nós formos a ver, o amor é a matéria-prima de todas as canções. Tudo na vida tem a ver com isso. Até as razões que levaram a esta guerra estão relacionadas com o amor mas neste caso com o excesso de amor-próprio de um tal senhor russo [Vladimir Putin]. Existem diferentes perspetivas sobre o amor e há diferentes modos de amar. [O amor] é a minha maior fonte de inspiração. É quase impossível não ser. A faixa 'Serei Sempre Uma Mulher', que é sobre as mulheres que lutam pelos seus direitos no Afeganistão, também é uma forma de amor. De amor pelas outras. É como eu digo na canção: "se não for para mim, seja para quem vier". É amor por quem há de vir, pelas nossas filhas, pelas outras mulheres e por nós próprias. Não tem de ser apenas o amor romântico. 
  
E também há amor no single de avanço. Chama-se 'Gosto de Ti'...

O 'Gosto de Ti' nasceu depois de ter visto no Instagram uma série de gente a partilhar fotografias e imagens de pessoas ou animais de que gostavam ao som daquela canção: "y es que me encantas tanto/si me miras mientras canto" ['Mon Amour', de Zzoilo e Aitana]. Era uma versão acústica dessa canção, só com guitarra e voz. Só mais tarde é que descobri a original. Quando estava a ver as publicações comecei a questionar-me sobre o porquê de tanta gente gostar daquele tema. Foi quando me desafiei a escrever uma canção sobre essa forma tão leve de gostar de alguém. Gostar de uma forma muito leve e simples. Foi a minha inspiração. 

 

E no videoclipe fizeste questão de meter toda a gente a dançar...

Já sonhava com isso desde a altura em que via os vídeos da Britney Spears a dançar. (risos) Lembro-me que, nessa altura, só queria ser crescida para ter um grupo de pessoas a dançar num videoclipe que fosse meu. Aliás, quando estávamos a gravar o vídeo, ainda pensei: 'uau, estou a brincar aos crescidos'. Ter pessoas a dançar no nosso vídeo é muito "à grande". Estava fascinada com aquilo tudo. 

E a parte de levar "DanSando" para o palco, como e quando é que o vais mostrar ao vivo? Ouvi dizer que querias criar um ambiente de festa mas talvez uma festa um pouco contida…

O cenário está pronto. Foi a Ana [Sequeira], a mulher do Miguel Araújo, que o fez. Faz um trabalho incrível. É sempre ela que faz os meus cenários. Sim. Quero um ambiente de festa mas não deixo de ter os dois lados ou os vários lados. O cenário tem de ser flexível e versátil para ir ao encontro desses vários lados. A digressão vai começar fora de Portugal. A 25 de novembro, toco na Alemanha e no dia a seguir, a 26, atuo no Luxemburgo. Os concertos oficiais de lançamento, em Lisboa e no Porto, são em fevereiro. No dia 18 de fevereiro, será na Casa da Música, no Porto, e no dia 25 no Tivoli, em Lisboa. 

Faixas do disco "DanSando":

1. 'Quero Falar de Amor'
2. 'Gosto de Ti'
3. 'Não Foste Tu'
4. 'Festa Antecipada'
5. 'Amo Como eu Sei'
6. 'O Nosso Amor É'
7. 'Há Guerra'
8. 'Maria Feliz'
9. 'As Mães de Hoje em Dia'
10. 'O Quadro que Pintei'
11. 'Serei Sempre uma Mulher'