Ouça a M80, faça o download da App.
Redação
28 janeiro 2023, 01:55
Partilhar

Michael Bublé: Elvis na voz, Sinatra no fato

Michael Bublé: Elvis na voz, Sinatra no fato
Redação
28 janeiro 2023, 01:55
Cantor esteve bem simpático no primeiro de dois espetáculos, na Altice Arena, em Lisboa.

Ainda se estão a fazer ajustes de contas sentimentais com o apagão social da pandemia, e esta primeira de duas noites de Michael Bublé foi permeável a alguns desabafos sobre o assunto. Foi um espetáculo muito aberto ao toque humano mais imprevisto, onde pode haver algum desvio ao guião a qualquer momento, fora das piadas preparadas e dos elogios de circunstância, apesar do classicismo do concerto e do rigor mais inflexível que o aparato cénico impõe. 

Assim que cai a cortina branca, vemos que grande parte desse aparato cénico se deve à numerosa big band, mais de vinte músicos sentados numa bancada da dimensão de um paquete. À frente desse naipe de músicos - secção de cordas à esquerda, secção de metais à direita - brilha Bublé, que emerge no palco depois de uma efeito visual de ilusão fantasmagórica, com o cantor noutro ponto da sala. O artista canadiano entra a cantar Feeling Good, de Anthony Newley e de Leslie Bricusse, enquanto faz os movimentos que pode com aqueles sapatos tão engraxados, como uma volta de 360º a baixa velocidade ou uns modestos malabarismos com o microfone no ar. 

Haven't Met You Yet é a primeira música verdadeiramente sua a ser cantada, com o público a largar as cadeiras para viver a canção como deve ser, de pé, enquanto Michael Bublé faz os seus passeios a cantar, usando a rampa e a língua de palco. Num momento mais inusitado, Michael Bublé tira um iPad a uma senhora para tentar lhe tirar uma fotografia com ela. Brincalhão e cavalheiro não são de todo características incompatíveis, e o público gosta dessa conciliação. 

Quando Michael Bublé diz que todo o dinheiro que faz com os concertos vai diretamente para a big band, não precisamos de um detetor de mentiras para acreditar nele, basta olhar para os vastos recursos humanos empregues que estão à nossa frente. É com o fausto da big band que Michael Bublé swinga cantando o tema de Nat King Cole, L-O-V-E. Canta em espanhol no díptico Quién será? / Sway, com uma pitadas de bolero. E em When You're Smiling, parece que estamos na era dourada do musicais de Hollywood, com os instrumentistas da big band a fazerem coro 

Quando Michael Bublé se senta num dos degraus da estrutura do palco, os telemóveis iluminam-se como velas e o ambiente torna-se calmo. Assim que enfia Lisboa na letra, obtém a ovação. Depois, chama a atenção que não é só um intérprete à Frank Sinatra, reivindicando os créditos de grande compositor. Está dado o mote para cantar Everything, e sempre que Bublé interpreta um tema da sua autoria, parece que as cadeiras têm molas, levando os espectadores a levantarem-se para poderem dar escoamento às suas emoções daquele momento. “Se isto fosse o concurso do The Voice, eu viraria a cadeira para vocês”, diz Michael Bublé, impressionado com a adesão calorosa do público. 

O cantor tem também os seus momentos de stand up comedian: satiriza-se como um garanhão gabarolas, considerando-se bom para fazer música sexy para as mulheres e um inspirador à procriação. O momento humorístico correu bem porque o público se riu, antes da instituição Bee Gees mostrar a sua grandeza, com a versão da canção To Love Somebody, cuja popularidade se sentiu bem naquele pavilhão.

Após despir à intimidade com o piano a música de Charles Chaplin, Smile, com a Big Band na escuridão e a descansar, e depois de stressar o segurança quando se enfiou no meio da plateia em pé enquanto interpretava I'll Never Not Love You, Michael Bublé seria possuído pela alma de Elvis Presley. Dedica o clássico Fever a Priscilla Presley, por causa da “terrível perda” da filha Lisa-Marie. E puxa novamente da pose vocal do rei do rock quando faz o medley de vários oldies no palco avançado, como One Night, All Shook Up e a balada Can't Help Falling in Love. Depois do temporal de papelinhos em You're the First, the Last, My Everything de Barry White, Bublé canta o clássico Cry Me a River com impacto, fazendo-se valer da big band e do orçamento pesado do espetáculo. 

No encore, Michael Bublé volta a ter furacões vocais à Elvis, como se impunha na balada You Were Always on My Mind, a inspirar várias passeatas valentes pelo corredor de palco. Após quase duas horas de espetáculo, a missão estava prestes a ser cumprida. Michael Bublé horizontaliza-se de barriga para o chão, como quem vai fazer flexões. Mas afinal eram beijos na língua do palco, em forma de agradecimento mais hiperbólico ao público presente. O swing já não tem a formalidade de outrora.