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Gonçalo Palma e Paulo Rico
24 maio 2018, 14:00
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Viagem à Islândia: de Björk aos vulcões

Viagem à Islândia: de Björk aos vulcões
Gonçalo Palma e Paulo Rico
24 maio 2018, 14:00
A nação menos populosa de sempre a participar num Mundial está pronta para fazer mais uma surpresa.

Se no râguebi, os All Blacks (Nova Zelândia) habituaram-nos no início ao haka, no futebol internacional podemos agora contar no final com o thunderclap, a saudação viking coreografada, que a seleção e os adeptos islandeses nos deram e que, em cada estádio, tentamos imitar. O país que nos deu Björk e os Sigur Rós vai voltar a entreter uma grande competição futebolística, também no relvado, com o seu futebol de raça, que mostra o caráter abnegado do seu povo. Engane-se quem, do outro lado, achar-se o favorito. Os islandeses vão dar luta.  

Futebol atual

Há dois anos, no Europeu de França, quando fez a estreia absoluta em fases finais de grandes competições, contra Portugal, poucos vaticinavam tamanha evolução no futebol da Islândia! O empate a um golo era já um prenúncio para o que aí vinha para os nórdicos! Novo empate com a Hungria (1-1) e vitória sobre a Áustria (2-1) foi a garantia de um surpreendente segundo lugar no grupo e apuramento para a fase seguinte da prova. Mais surpreendente ainda foi a vitória sobre Inglaterra (2-1) nos oitavos-de-final e o estatuto de surpresa da prova. A Islândia, no ano de estreia em grandes competições, só caiu perante o país-organizador, França, nos quartos-de-final. O caminho no Europeu serviu para ganhar o respeito de toda a Europa, que passou a olhar para os islandeses como uma seleção a ter em conta no futuro mais próximo. Um exemplo dentro e fora de campo, com adeptos que fizeram do primeiro Europeu da sua história uma autêntica festa, em comunhão com os jogadores.

A subida no ranking da FIFA (de 81º para 22º em dez anos) reflete bem a forma como a Islândia olha para o fenómeno-futebol nos últimos tempos! Apesar da desconfiança geral aquando do sorteio da fase de qualificação para o Mundial - Turquia, Croácia e Ucrânia como adversários no grupo - os islandeses mantiveram as suas ideias bem claras, assentes em muita disciplina tática, agressividade, rigor, jogo muito compacto e um coletivo sempre à frente do individualismo.

Venceram o grupo e empurraram os croatas para o play-off, deixando fora das contas do Mundial turcos e ucranianos. Ainda assim, há nomes que se destacam, a começar por Sigurdsson, médio criativo há vários anos em Inglaterra, Bjarnason, Saevarsson e Gudmundsson. Quis o sorteio que, no Mundial, volte a encontrar a Croácia. Argentina e Nigéria são os restantes adversários.

 

 

Linhagem Guðjohnsen
A isolada e gélida Islândia não recebia os Beatles a 18 de setembro de 1968, mas quase. Era o Benfica de Eusébio e Coluna (de Simões e José Augusto), que ia a Reiquejavique disputar a 1ª mão da Taça dos Campeões Europeus contra o Valur. A ocasião não era para menos e justificava o uso do Estádio Nacional de Reiquejavique onde joga habitualmente a seleção do país. O resultado ficaria 0-0, deixando as decisões para o Inferno da Luz, com o sonho islandês a ser destroçado por um corretivo 8-1 e uma entrada à Benfica. Mas ainda hoje a visita da equipa de Eusébio a Reiquejavique é recordada na ilha pelos mais antigos.
 
Antes da Islândia fazer história como a nação menos populosa de sempre a disputar um Mundial, o país nórdico já tinha outra história inédita. Foi num jogo da Islândia que pela primeira e única vez um pai joga a mesma partida que o filho pela mesma seleção. Aconteceu em 1996, frente à Estónia. Arnór Guðjohnsen, de 34 anos e antigo avançado do grande Anderlecht dos anos 80 (e melhor marcador da liga belga em 1986-87), é substituído pelo filho de 17 anos, Eiður Guðjohnsen, que iria brilhar durante vários anos no Chelsea e tornar-se-ia no melhor marcador de sempre da seleção islandesa.
 
Aos poucos, a Islândia foi deixando de ser uma das fracas nações europeias com trauma de goleadas - longe vão os tempos em que foi massacrada pela Dinamarca por 14-2 em 1967 - para ir começando a morder os calcanhares aos favoritos. Em vez de ser o crónico último do grupo de qualificação, foi passando a ocupar os lugares do meio da tabela. A disputa do play-off para o Mundial de 2014 foi só um aviso dos anos felizes que agora vive.

 
A menina com ar de esquimó
Björk quase que não sabe o que é não ser estrela. Aos 11 anos, já era um fenómeno infantil da televisão islandesa, como se fosse uma Maria Armanda polar. Foi com essa idade que gravou o seu primeiro álbum. Depois, como adolescente e jovem adulta, cresceu em bandas underground islandesas, até se internacionalizar com os Sugarcubes, grupo de pop vanguardista que coloriu o indie mais cinzento dos anos 80. Em 1993, com o álbum "Debut", torna-se um ícone feminino mundial, fundindo pop e eletrónica, criando uma videografia ímpar e enchendo com a sua alma enorme os palcos dos grandes festivais. Hoje está mais melancólica e menos festiva mas ainda não desistiu de ousar.
 
Como nada acontecia na Islândia, eram os próprios locais que tinham que criar a sua cena musical, longe das grandes metrópoles musicais. Os Sigur Rós não só criaram um estilo próprio, como inventaram uma língua, o hopelandish, uma mistura fonética e livre entre islandês e inglês, numa música mais sensorial que verbalizada, e em que os agudos do vocalista Jónsi e a trepidação da corda de violoncelo nas cordas da sua guitarra elétrica criam uma erupção sonora tão deslumbrante quanto a paisagem vulcânica e lunar da ilha. Antes dos Sigur Rós e já quando Björk era mundialmente conhecida, o coletivo Gus Gus foi um dos nomes cimeiros da viragem da editora 4AD para a eletrónica a meio dos anos 90, com uma música enigmática afilhada dos Depeche Mode. Ainda hoje, depois de várias reformulações, avivam festivais de eletrónica e pistas de dança, incluindo em Portugal. Múm, Of Monsters and Men ou a vocalista da guerrilha feminina Dream Wife, Rakel Mjöll, são outros nomes que têm colocado a Islândia no mapa alternativo. 


 
Herança viking
É impressionante ir a um mercado na Islândia e dar de caras com bacalhau acabado de pescar. Não estamos habituados a vê-lo nesta forma tão fresca, logo um peixe que conhecemos de cor e salteado na nossa cozinha portuguesa mas em formas mais arranjadas. Apesar da qualidade mais do que reconhecida do bacalhau islandês, os ilhéus têm outras tendências, a mais estranha o hákarl: trata-se de um tubarão podre com cheiro nauseabundo e alvo de uma longa putrefacção para afastar venenos. É consumido desde o tempo dos vikings e hoje em dia serve-se à mesa na época natalícia, a 23 de dezembro, como um sacrifício alimentar. A partir daquele prato de gosto tão discutível, as demais ofertas serão mais valorizadas e saborosas.
 
A Islândia não é ingrata para com as dádivas daquele mar gélido e por isso come-se muito naquela terra sopas de peixe e de marisco. Mas a carne também é particularmente apreciada, como o hangikjöt, um prato de carne fumada, normalmente cordeiro, ou o poronkäristys, nome estranho para descrever os escalopes de rena salteados com puré de batata e arandos (bagas de cor vermelha comuns nos países nórdicos).
 
É muito habitual às refeições e nos buffets ver o pão de centeio islandês, bem escuro e que sabe a enxofre talvez por ser cozido nas águas termais vulcânicas. Outro pão invulgar é o laufabrauð com a sua camada de pão muito fina, que permite ser desenhada com várias figuras.
 
Desde os tempos dos vikings que os islandeses comem skyr, um laticínio classificado de queijo mas que sabe a iogurte. Os supermercados islandeses estão recheados deste produto tão recomendado aos estrangeiros.


Natureza, o melhor amigo do homem
Como o aeroporto principal, em Keflavik, fica na posta oeste da ilha, quem viaje do centro da Europa tem o privilégio de sobrevoar todo aquele território vulcânico a fumegar, um espetáculo que nem as nuvens conseguem cobrir. Grande parte da terra é inabitável, o que se justifica que tendo um pouco mais de área que Portugal, tenha uma população 30 vezes inferior à nossa. Para se ter uma ideia, basta referir que só o concelho de Sintra tem mais gente que toda a Islândia, cerca de 350 mil pessoas, metade delas concentrada na capital Reiquejavique.
 
O poder da natureza é enorme, sobretudo para a vista, num país quase sem árvores, com grandes desertos de lava numa terra toda ela agitada pelo teor vulcânico. Vários géiseres, montanhas vulcânicas ao fundo, e até grandes cataratas como as de Sulfoss. O que deveria ser hostil os islandeses tornam-no amigável, aproveitando a energia geotérmica para um sistema de aquecimento de casas quase gratuito. Outro exemplo de ligação amigável entre natureza e a humanidade islandesa é o Blue Lagoon, as piscinas ao ar livre (há também piscinas interiores) de águas quentes e medicinais que fumegam vapores, num cenário deslumbrante e vasto, ao lado de fábricas geotérmicas não poluentes.
 
Num país onde os cães importados eram proibidos até há poucos anos, o pequeno cavalo islandês (consta que de raça pura) é particularmente apreciado, até mesmo internacionalmente, e fácil de ser visto nas pastagens junto das estradas. Mas o único mamífero islandês anterior aos vikings é a raposa-do-ártico, numa natureza selvagem que conta com uma população de renas. Junto à costa, mergulham vários tipos de focas.
 
Resta dizer que a Islândia é um melhores sítios do mundo para se apreciar a aurora boreal. O céu pristino (sem luzes artificias num raio de vários quilómetros quadrados) e os vários parques naturais permitem este espetáculo luminoso oferecido pela natureza, sobretudo no grande lago glaciar de Jökulsárlón, com a aurora boreal a ser reflectida naquelas águas (ou mesmo gelo). 

 

 

 

 

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