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Redação
22 outubro 2019, 01:24
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Richard Medleyman

Richard Medleyman
Redação
22 outubro 2019, 01:24
Ao fim de 40 anos de carreira, Clayderman estreou-se ao vivo em Portugal esta noite, no Coliseu de Lisboa.

Mudam os tempos, mudam-se as cores. O pianista Richard Clayderman comemora 40 anos de carreira. Nas temporadas iniciais em que se afirmou, o músico era todo ele um clarão, com aqueles fatos brancos ou cor de creme, numa opção monocromática que se estendia ao piano rosado e aos fundos de capa claros. Nesta claridade ofuscante, nem o seu cabelo loiro de tigela destoava. Esta noite, no coliseu, Clayderman apareceu de fato escuro, numa maior maturidade visual.   
 
O seu piano de cauda estava ao centro, abaixo do ecrã gigante, logo para deixar bem definido quem era o dono do show. Ao seu lado, estava uma orquestra de cordas de 12 músicos nacionais e um baterista. 
 
Richard Clayderman toca de forma corcunda o seu piano, com pose de maçarico mas dedos de um campeão do teclado. Em proporção com a sua carreira, este concerto de duas horas foi à fonte do seu grande fornecedor Paul de Senneville, com aquele bucolismo pastoral de que é exemplo a célebre Ballade pour Adeline, que foi tocada bem cedo.
 
O piano de Richard Clayderman funciona como um conversor pop de música clássica. Nessa diluição dos dois mundos, a música de Vangelis encaixa bem no piano de Clayderman, tal como se pode ouvir no heróico Chariots of Fire, enquanto se projetam imagens do filme sobre as olimpíadas de 1928, "Momentos de Glória". A sua música de elevador continua no cinema, com Fantasma da Ópera e as respectivas imagens do filme
 
Clayderman não era só o pianista sério e compenetrado que semicerrava os olhos para sentir mais a música. Também tentou ser comediante quando falou com o público, usando um francês veloz e imperceptível a pedir gargalhadas. Foi generoso quando entregou diversos livros de pautas aos espetadores das filas da frente. E lidou bem com a imprevisibilidade quando aceitou assinar um vinil de um fã, arriscando transformar o concerto numa sessão de autógrafos em sala faustosa, quando a lei do rebanho monitorizou um sem fim de membros do público a pedirem-lhe também umas assinaturas nos seus bilhetes em papel.
 
A sua corrida de dedos pelo teclado do piano aumentou de velocidade em registo bluesy. Depois andou a fazer aquilo que mais gosta, os medleys, que aconteceu com a música do filme Titanic, que Clayderman percorreu, da fase mais lamecha à mais dramática. Depois do iceberg no meio do Atlântico, segue-se o gelo num copo de vodka, servido no medley pela música russa, num trajeto transcontinental que foi do folclore às peças de bailado. Veio então a piada nº7 da noite de Clayderman: “E agora chegou o momento mais desejado por vocês, o intervalo”.
 
Para a segunda parte, Richard Clayderman regressa com um fato mais colorido, um azul vivo. A metade final inicia-se com o épico dos Queen emudecido na versão instrumental classico-pop de Clayderman.
 
Veio depois um itinerário cinematográfico por alguns dos filmes mais céleres, como a epopeia espacial de Star Wars, o clássico de gangsters Era Uma Vez na América, o western macabro de Aconteceu na América, o incontornável James Bond ou as aventuras expedicionárias de Indiana Jones, com as respectivas músicas e imagens.
 
'We're All Alone' de Boz Scaggs é outro slow pop apanhado pela rede de easy-listening de Clayderman, que rejubilou de comédia com o clássico Dream a Little Dream of Me, que teve até assobios do senhor do piano e palmas ritmadas.
 
O medley parisiense parecia uma promo turística da capital francesa, com imagens das dançarinas do Moulin Rouge ou de esplanadas de cafés. O concerto fecha em ambiente de bar, com a versão de New York State of Mind de Billy Joel e um som empacotado de saxofone de alguém que não estava no Coliseu.
 
Se nesta terça-feira ouvirem num átrio de hotel de Lisboa um pianista loiro a tocar música repousante, é provável que seja o próprio Richard Clayderman em carne e osso. Nesta noite de segunda-feira matou um borrego que tinha 40 anos. Agora sim, já se pode dizer que Clayderman tocou em Portugal.