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Viagem à Costa Rica: o gigantismo das tartarugas e de Chavela Vargas

O guarda-redes Navas vai fazer tudo para tornar a baliza mais pequena aos adversários favoritos do grupo, Espanha e Alemanha.

Gonçalo Palma

Tudo indica que a Costa Rica é o elo mais fraco do grupo E, o que não incomodará minimamente a seleção dos ticos, com tendência para surpreender tanto quanto a riquíssima biodiversidade das reservas naturais do país. Conseguirá sobreviver ao competitivo Japão e a dois tubarões europeus como a Espanha e a Alemanha? 

Batalha a Navas 
Apesar de uma carreira clubística errática, o avançado Joel Campbell está vivo e ainda decide a favor da sua Costa Rica. Foi dele o golo decisivo que qualificou para o Mundial o pais centro-americano, no play-off contra a Nova Zelândia. Embora sem demasiados trabalhos nesse jogo decisivo ganho por 1-0, o guarda-redes Navas foi o outro responsável pelo apuramento para o Catar 2022, com uma palmada na bola a desviá-la do canto superior da sua baliza a 15 minutos do fim. Um ou outro encaixe mais fácil, e um ou outro murro no esférico quando mais apertado, completaram o serviço. Keylor Navas, um dos guarda-redes mais carismáticos da história do Real Madrid, está atualmente sentado no banco do luxuoso Paris Saint-Germain. No Catar, vai estar mais ocupado, em grandes trabalhos diante dos glutões do Grupo E, que não quererão meter água nesta batalha a Navas. Tendo em conta a menor qualidade na renovação da seleção de Costa Rica, está ainda na linha dos aptos o ex-sportinguista e capitão Bryan Ruiz, com 37 anos, e a jogar na obscura liga do seu país pelo Alajuelense.

 

Era uma vez um país desconhecido...
A pequenina Costa Rica vivia quietinha e incógnita ali para os lados da América Central quando, de repente, o mundo teve que aprender a soletrar o seu nome, à medida que a sua seleção de futebol ia surpreendendo equipa europeias mais cotadas, como a Escócia e a Suécia, no Itália '90, ambos os jogos em Génova, a terra de Colombo, o homem que descobriu a América. É a Colombo que a Costa Rica deve o seu nome, é a Hernán Medford e companhia que os costa-riquenhos devem dias de inusitada alegria naquele quente junho de 1990, que só esfriou com o gelo checo de um hat-trick do ponta-de-lança do Sparta de Praga, Tomás Skuhravý, e com uma derrota concludente de 1-4 nos oitavos-de-final.
 
Depois de duas participações em Mundiais menos vistosas em 2002 e 2006, a Costa Rica voltou à traquinice de sair do seu estatuto de pequenino e sonhar em ser grande no Mundial de 2014, superiorizando-se ao Uruguai e eliminando gigantes como Itália e Inglaterra. Mas a equipa do guarda-redes Navas e de Bryan Ruiz e Campbell estava a gostar tanto da estada no Brasil que resolveu prolongar a campanha de sonho ao eliminar nos penaltis a Grécia nos oitavos-de-final. Mas nos inéditos quartos-de-final, quando a festa nas ruas de San José já durava há 20 dias, a Costa Rica sofreria do mal que causou à Grécia, com a Holanda a sair-se mais feliz no desempate de grandes penalidades.


 
Danças patrióticas
Na pouco internacionalizada música costa-riquenha, os instrumentos são as estrelas. A ocarina, a “flauta costa-riquenha”, é um instrumento pré-columbino, oriundo dos índios do norte da Costa Rica. Não merece ser só ouvido o seu som aflautado, merece ser visto este objeto, muitas vezes de porcelana, que é uma pequena escultura, alusiva à bicharada.
 
É também da cultura índia a Danza de los Diablitos, uma grande festa tribal dos indígenas da cultura boruca: um baile de mascarados que acontece durante a passagem de ano, em que os demonizados são os colonizadores espanhóis, encarnados por um touro contra o qual todos lutam.
 
Outra estrela costa-riquenha é a marimba, semelhante ao xilofone, também com lamelas de madeira. O instrumento baquetado é bem audível no acompanhamento musical às danças folclóricas costa-riquenhas, com bailarinos a swingar aos pares: as mulheres abanam as grandes vestes com as cores da bandeira do país (azul, vermelho e branco) como se estivessem a dançar também com as suas roupas, restando aos homens não atrapalhar aquele cenário camponês festivo. Falta-nos ainda falar da grande diva, Chavela Vargas (1919-2012), eternizada pelas rancheras e grande amiga da pintora mexicana Frida Kahlo. Uma das vozes mais marcantes da música latino-americana era sua.


 
Saladas de frutas
Além do milho, o feijão preto decora muitos dos pratos dos ticos (como são chamados os costa-riquenhos). O gallo pinto é muito comido ao pequeno-almoço (tal como na vizinha Nicarágua), feito à base de arroz de feijão preto e acompanhado por pão e omolete. Já nas refeições maiores, o prato nacional é o casado, um equilíbrio de cores de feijão preto (sempre presente) com arroz, batatas, salada e carnes (de porco, de vaca ou de frango, ou até mesmo peixe). Tal como em muitos outros países descendentes de índios, também os costa-riquenhos comem uma mistura de carnes com arroz e vegetais enrolada em folha de bananeira. O ceviche (o prato de peixe cru marinado em limão, muito conotado com o Peru) também é muito apreciado na Costa Rica, aproveitando a generosidade das duas costas do país (do Atlântico e do Pacífico).
 
A grande variedade de frutas do país - papaias, mangas, melancias, bananas, ananases - permite a recorrência de saladas de frutas e dos batidos, muito populares no país. Em qualquer rua, há um cortador de cocos frescos pronto a vender água-de-coco sorvida diretamente do fruto de casca dura. O clima e o terreno dos ticos permite um florescimento de plantações de cacau e sobretudo de café. A cultura de café é bem forte no país, ao ponto do licor de café ser uma das bebidas alcoólicas mais em conta do país. Mas o guaro (a aguardente de cana costa-riquenha) e o rum - a marca mais famosa é a Ron Centenario - também são fonte de alegrias para o povo e para os forasteiros.


Imensidão de reservas naturais
Na Costa Rica, o planeta Terra está a salvo. A natureza prega-nos as maiores e mais bonitas surpresas neste país. Não são poucas as praias invejáveis protegidas por palmeirais, como Manzanillo, e há até fiordes tropicais como Golfo Dulce, ideais para observar aves como as araras ou os tucanos e sobretudo para nos impressionarmos com o areal e mar estrelados à noite pela bioluminescência de seres aquáticos.
 
Todo o mapa da Costa Rica é recheado de parques naturais, como o de Manuel Antonio, uma grande floresta de praias deslumbrantes e impecavelmente preservadas, com muitos macacos e preguiças a treparem as árvores, sempre disponíveis para nos palmar comida. Monteverde, com uma vertiginosa e lindíssima passadeira, é óptima para ver a grande diversidade de aves, incluindo a quetzal. No meio da imensa biodiversidade do verdejante Corcovado, há felinos de monta como os jaguares. O Tortuguero, que se visita de barco, é um paraíso tropical sinfónico comparado à Amazónia, habitat das tartarugas-gigantes (de 700 quilos!), visíveis nas praias onde deixam os ovos. E o vulcão Arenal ainda continua fumegante e desaconselhável para escalar, mas ver a sua imponência a poucas centenas de metros dá muito boas fotos.