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Silvia Mendes
23 dezembro 2022, 07:00
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2022: a música ao serviço da paz, da liberdade e da natureza

2022: a música ao serviço da paz, da liberdade e da natureza
Bono: Evan Agostini/Invision/Associated Bruce Springsteen: YouTube Global Citizen Muro Protestos Irão: Jose Luis Magana/Associated Press Criança e Soldado: Twitter David Gilmour: Gregorio Borgia/Associated Press
Silvia Mendes
23 dezembro 2022, 07:00
Mais um balanço do ano. Olhamos agora para o papel da música na luta pela paz, pelos direitos humanos ou pela proteção do ambiente.

Canções para a Ucrânia 

Os palcos encheram-se com a bandeira da Ucrânia. O azul e o amarelo povoaram cenários de espetáculos no mundo inteiro depois de, a 24 de fevereiro, a Rússia ter invadido aquele país, provocando mortos, feridos e a fuga em massa de refugiados. O drama, que continua a fazer parte da rotina dos ucranianos, propulsionou um movimento global de solidariedade e, como é costume, o mundo da música também quis ajudar

Em março, cerca de um mês depois do início da ofensiva russa contra Kiev, mais de 30 artistas portugueses subiram ao palco da Super Bock Arena/Pavilhão Rosa Mota, na cidade do Porto. O evento, intitulado "Uma Voz Pela Paz", desdobrou-se em boa vontade e foi criado com um propósito: ajudar as vítimas da invasão russa. A este pedido urgente de ajuda juntaram-se Carolina Deslandes, Diogo Piçarra, Fernando Daniel, Dino D'Santiago, Capicua, Gisela João, Cuca Roseta, Paulo de Carvalho, Miguel Araújo, Gospel Collective, Pedro Abrunhosa, Miramar, Noiserv, Selma Uamusse, Tó Trips, Best Youth, Ana Bacalhau, Andrey Lidnov/Marcos Martins, Benjamim, David Fonseca, Mafalda Veiga, Márcia, Maria João, Marisa Liz, Matay, Moullinex, Rita Redshoes, Samuel Úria, Sara Correia, Teresa Salgueiro e We Trust. 

"Um concerto em jeito de abraço solidário e de clamor pela reposição da normalidade no território da Ucrânia. É a nossa música ao serviço da solidariedade e da celebração da fraternidade entre os povos", lia-se na descrição da iniciativa. As verbas recolhidas na bilheteira reverteram na totalidade para três organizações: a Cruz Vermelha ucraniana, a Voices of Children e a UBTS - Emergency Center

"Agora é o povo ucraniano quem está a sofrer, mas podíamos ser nós. São pessoas que, de um momento para o outro, ficaram com a vida virada do avesso", disse-nos na altura André Tentugal (um dos organizadores) sobre o espetáculo. "É em defesa da paz. É pela união, pela justiça e pelo respeito. São valores fundamentais que a maioria das pessoas defende, salvo raras exceções".

A 23 de junho, dia em que se iniciou o debate sobre o pedido de adesão da Ucrânia à União Europeia, a Câmara Municipal de Cascais e a Rádio Comercial juntaram-se para ajudar os cerca de 2 mil ucranianos que escolheram Cascais como porto de abrigo. O evento solidário estava inserido no projeto "Life Will Win - #Stand with Ukraine" - uma iniciativa cuja ideia partiu do próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e que percorreu vários países europeus com o propósito de despertar consciências e impedir que o cansaço do tema "guerra" se instalasse. The Black Mamba, Tiago Bettencourt, Tomás Wallenstein, Cuca Roseta, Miguel Ângelo, Fernando Cunha, João Só, Carolina de Deus, Luís Represas, João Gil, DAMA e Agir figuraram no cartaz solidário de Cascais que contou ainda uma mão-cheia de artistas ucranianos.

Em março, poucos dias depois da invasão do solo ucraniano, os UHF recuperaram um tema antigo e deram-lhe um novo foco solidário, o de apoio aos movimentos que se organizaram para ajudar as pessoas que fugiram da guerra. 'Ucrânia Livre', lançada em março, é uma versão do tema 'Sarajevo (Verão 92)' que a banda portuguesa editou no início dos anos noventa na altura como reação à guerra na Bósnia. "Há 30 anos, reagi à estupidez de uma guerra fratricida, que destruiu os corações e revolveu as cidades dos Balcãs: eram vizinhos contra vizinhos num genocídio étnico-religioso que nos trazia o Holocausto de volta: 'Sarajevo (Verão de 92)' foi a canção que escrevi", disse António Manuel Ribeiro em comunicado.

"Trinta anos passados, a besta regressou à Europa com o seu cortejo de artefactos bélicos, discursos enviesados e semântica burlesca para consumo da idiotia. Para justificar o inaudito, há quem reconfigure ideologias e razões geoestratégicas. Patético, exceto para os refugiados, mulheres e crianças a chorar (outra vez) na televisão, porque os homens ficam para defender a sua pátria, a casa de um povo", acrescentou o autor da canção e vocalista da banda. As receitas angariadas com "Ucrânia Livre" ajudaram organizações e movimentos solidários que prestam auxílio ao povo ucraniano.


Pedro Abrunhosa escreveu 'Que o Amor Te Salve Nesta Noite Escura'
. A canção também surgiu como reação ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, mas o músico portuense fez questão de ressaltar que a mensagem da letra é absolutamente universal. É um grito de apelo pela restauração dos valores da humanidade. "Que a manhã levante a rosa dos ventos / E um cerco apertado à palavra guerra / Ninguém nesta terra é dono do tempo / Não é deste tempo o chão que te espera", canta Pedro Abrunhosa ao piano na canção que pede paz. Veja o dueto com a fadista Sara Correia - um dos momentos da gala solidária "Uma Voz Pela Paz".  


Os britânicos Pink Floyd também arregaçaram as mangas e juntaram-se no ato da criação para a mesma causa. 'Hey Hey Rise Up' marcou o regresso ao estúdio da banda histórica e chegou às plataformas digitais para ajudar as vítimas da guerra. 

A canção conta com a participação de Andriy Khlyvnyuk, elemento da banda ucraniana Boombox2. "Todos nós, como tantos outros, sentimos fúria e frustração por este ato vil de invasão de um país independente, pacífico e democrático e pela morte do seu povo, [assassinatos cometidos] por uma das maiores superpotências mundiais", escreveu David Gilmour, na conta da banda no Twitter. Para Gilmour a causa também é pessoal. A nora e os netos do músico britânico têm nacionalidade ucraniana. 


Os U2 foram ainda mais longe. Em maio, Bono e The Edge deslocaram-se a Kiev para reforçar a mensagem de urgência pela paz. Os dois elementos da banda irlandesa deram um miniconcerto numa estação de metro da capital ucraniana. "Não há outro sítio no mundo onde preferíssemos estar além da grande cidade de Kiev", disse Bono antes da atuação. Os dois músicos foram convidados pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, como um ato solidário para com o povo ucraniano. 'With or Without You', 'Desire', 'Angel of Harlem' ou 'Vertigo' fizeram parte do alinhamento da atuação que durou cerca de 40 minutos.

"As pessoas na Ucrânia não estão apenas a lutar pela sua liberdade, vocês estão a lutar por quem ama a liberdade", disse ainda o músico. Bono e The Edge partilharam o palco com a banda ucraniana Antytila. Juntaram-se para uma versão de 'Stand By Me', de Ben E. King, canção que na ocasião passou a ser 'Stand by Ukraine' (Fiquem ao lado da Ucrânia).


O mundo dificilmente irá esquecer Amelia. É a menina ucraniana que cantou 'Let It Go' (a canção do filme Frozen) a partir de um abrigo, em Kiev, poucos dias depois da invasão das tropas russas em território ucraniano. O momento foi gravado e as imagens viralizaram. O vídeo começou a circular nas redes sociais a 7 de março.

 

As imagens tanto viajaram pelo mundo virtual que chegaram a Idina Menzel que é quem canta a canção original no filme da Disney. "Estamos a ver-te. Estamos mesmo, mesmo a ver-te", escreveu Menzel quando viu o vídeo. Uma semana depois, o mundo soube que Amelia, de apenas sete anos, estava em segurança na Polónia, acompanhada pela avó. No final do mês de março, a menina cantou o hino da Ucrânia num concerto solidário de apoio à Ucrânia que teve lugar na cidade polaca de Lódz. 


Um campo de girassóis (símbolo da luta pela paz na Ucrânia) serviu de fundo na abertura do "Concert for Ukraine" - concerto que aconteceu na Resorts World Arena, em Birmingham, Reino Unido, a 29 de março, e que foi transmitido pela televisão britânica ITV. O evento solidário contou com uma série de artistas que contribuíram para a ação solidária com atuações ou com mensagens de apoio. Snow Patrol, Ed Sheeran, Billie Eilish e Finneas, Manic Street Preachers, Camila Cabello, Gregory Porter e o The Kingdom Choir, Nile Rodgers e Chic foram alguns dos nomes estrelados que abrilhantaram o espetáculo. Os fundos angariados reverteram para o Comité de Emergência de Desastres que reúne uma série de organizações humanitárias, com sede no Reino Unido, que estão a prestar ajuda à população ucraniana


Em abril, alguns dos maiores astros da música uniram as vozes à campanha "Stand Up For Ukraine" - uma iniciativa com o dedo solidário da organização Global Citizen, aliada à Comissão Europeia e ao governo canadiano. U2, Bruce Springsteen, Eddie Vedder, Julian Lennon, Kacey Musgraves, Carole King, Ozzy e Sharon Osbourne, Celine Dion, Weezer, Fall Out Boy, Jonas Brothers, Garth Brooks, entre outros artistas, pediram ajuda para os milhões de refugiados que, tal como a doce Amelia, tiveram de fugir da violência e do conflito. "Os refugiados da Ucrânia e de outros pontos do mundo precisam da nossa ajuda agora", disse Bruce Springsteen num vídeo inserido na campanha. "Toda a gente precisa de segurança e de condições humanitárias para viver", acrescentou. 


O britânico Elton John lembrou um concerto que deu em Kiev, capital da Ucrânia, em 2007, no qual anunciou a ajuda da Elton John AIDS Foundation aos ucranianos infetados com o vírus VIH. Agora, em 2022, a causa é outra. "Estamos devastados por ver o sofrimento das pessoas na Ucrânia, à medida que o conflito se desenrola. Há duas décadas, comprometemo-nos a sensibilizar e a prestar apoio às pessoas que viviam com VIH na Ucrânia através do Elton John AIDS Foundation", dizia o texto publicado nas redes sociais. "Os ucranianos e tantos outros precisam da nossa ajuda mais do que nunca. Junte-se a nós e à Global Citizen, na campanha #StandUpforUkraine, para ajudar as pessoas cujas vidas ficaram viradas do avesso e que tiveram de deixar tudo para trás para conseguirem ter uma vida mais segura. Ninguém deveria ter de viver este tipo de tragédia".

 
Eddie Vedder, o frontman dos Pearl Jam, usou o Instagram para expressar apoio à causa. Fê-lo em seu nome, em nome da banda norte-americana e dos muitos colaboradores dos Pearl Jam que têm estado a ajudar os refugiados ucranianos que fugiram para outros países europeus. "Estou aqui para falar da crise de refugiados ucranianos. É uma tragédia de proporções históricas. Estamos a ver milhões de pessoas deslocadas, a fugir para conseguirem sobreviver, para salvar os filhos. Estão desesperadamente à procura de um lugar seguro e de condições humanitárias", começou por dizer o músico.

"Pedimos, com urgência, aos governos que disponibilizem o dinheiro que é necessário para ajudar os refugiados. Todos nós temos um papel a desempenhar. Todos nós podemos ajudar. Os parceiros dos Pearl Jam na Europa estão a ajudar os que estão a sair da Ucrânia para os países vizinhos com a disponibilização de autocarros. Aqui, em Seattle, há uma série de estudantes de Direito que estão a ajudar os refugiados com os papéis necessários para entrar nos Estados Unidos. Nós, os Pearl Jam, estamos a ajudar organizações, como é o caso da World Central Kitchen ou da Core, uma iniciativa do [ator] Sean Penn", disse ainda Eddie Vedder.


Julian Lennon, filho mais velho de John Lennon, cantou - e pela primeira vez - o tema 'Imagine' que o pai lançou em 1971. Cantou à luz das velas e acompanhado pelo músico português Nuno Bettencourt (dos Extreme). "A guerra na Ucrânia é uma tragédia inimaginável… como ser humano e como artista senti necessidade de fazer algo, da forma mais significativa que podia", escreveu o artista na descrição do vídeo que colocou no YouTube. "Hoje, pela primeira vez, vou cantar a canção do meu pai, 'Imagine'", continuou. "Sempre disse que apenas consideraria cantar 'Imagine' quando o fim do mundo estivesse perto. Mas canto também porque a letra da canção reflete o nosso desejo coletivo pela paz no mundo. Através desta canção somos transportados para um lugar que transforma o amor e a união numa realidade, nem que isso aconteça apenas por um momento", acrescentou o filho do ex-Beatle. "Esta canção reflete a luz ao fundo do túnel. A luz pela qual todos esperamos. Na sequência da atual violência assassina, milhões de famílias foram forçadas a sair do conforto das suas casas para procurar refúgio noutro sítio. Peço aos líderes mundiais e a todos os que acreditam no sentimento da canção 'Imagine' que ajudem os refugiados no mundo inteiro". 


Outra expressão de apoio à Ucrânia aconteceu na final da Eurovisão 2022. Os Kalush Orchestra, que representaram o país com a canção 'Stefania', venceram com uma votação esmagadora por parte do público.

A canção tornar-se-ia num dos símbolos da resistência ucraniana perante a ofensiva russa. A banda vendeu o troféu de cristal da vitória com um propósito: ajudar o exército ucraniano na compra de armamento para ajudar no combate. 

 

'Baraye', pela Liberdade  

'Baraye', da autoria de Shervin Hajipour, é a canção que ampliou a voz dos protestos no Irão que foram desencadeados em setembro pela morte de Masah Amini, de 22 anos, que morreu sob custódia da "polícia da moralidade" depois de ser presa por uso indevido da burca. O movimento de protesto espalhou-se por várias cidades do país e até em alguns pontos do mundo. Shervin Hajipour, que é um dos músicos mais populares do Irão, chegou a estar preso por ter composto a canção que agora serve de hino à causa. Hajipour foi libertado sob fiança no início de outubro.

 

Em outubro, os Coldplay prestaram homenagem a todos os que lutaram pela liberdade das mulheres e pelos direitos humanos no Irão. Num concerto em Buenos Aires, na Argentina, a banda britânica cantou 'Baraye' ao lado de Golshifteh Farahani, uma atriz e ativista iraniana que está proibida de entrar no Irão desde 2008.

"Vamos interpretar uma canção que tem sido cantada por muitas pessoas no Irão", começou por dizer Chris Martin quando apresentou o tema. "Não sei se têm visto as notícias, mas o que se passa é que muitos jovens e muitas jovens mulheres estão a lutar pela liberdade, pelo direito a serem eles próprios. Achamos que toda a gente tem direito a ser quem é desde que não magoe outras pessoas. Queremos enviar o nosso apoio a todos esses corajosos jovens que estão a lutar pela liberdade", completou o vocalista do grupo.  


Nos protestos terão morrido mais de 500 pessoas e pelo menos 15 mil foram detidas - isto de acordo com a organização não governamental (ONG) Iran Human Rights. As autoridades iranianas estimam, porém, que morreram 300 pessoas, 50 das quais membros das forças de segurança do país. Depois de quase três meses de contestação social, foi anunciada a dissolução da polícia da moralidade, responsável pela detenção e morte de Amini.

Unidos no combate às alterações climáticas

Em maio, uma série de artistas assinaram uma carta aberta para apoiar a organização Global Citizen na luta contra a pobreza e as alterações climáticas. A lista é extensa. Entre os signatários da carta estão: Billie Eilish, Shawn Mendes, Coldplay, Måneskin, Adam Lambert, Cyndi Lauper, Duran Duran, Finneas, 5 Seconds of Summer, Charlie Puth, Nile Rodgers, Ricky Martin, Billy Porter, entre outros. 

A carta, divulgada a 22 de maio, apelava aos governos dos vários países e ao setor privado que tomem medidas para reduzir a pobreza no mundo, situação que foi agravada pela Covid-19,  e para combater as alterações climáticas. 


Portugal recebeu a 1º edição do Atlantis Concert for Earth - um festival, sem fins lucrativos, que quer espalhar uma mensagem de esperança, sustentada por soluções práticas, em nome da restauração da saúde do nosso planeta. Black Eyed Peas, Pitbull, Stone Temple Pilots, Bush, Mod Sun e Girlfriends foram os nomes que passaram pelas Sete Cidades, na ilha de São Miguel, nos Açores. O músico Sting e os Queen com Adam Lambert participaram virtualmente. Nicole Scherzinger (das Pussycat Dolls) foi quem apresentou o evento.

O festival, que aconteceu nos dias 22 e 23 de julho, foi a materialização de uma ideia do músico, compositor e produtor Nuno Bettencourt. Como um bom filho dos Açores que a casa tornou, Nuno Bettencourt quis sublinhar a urgência em dar a conhecer e a pôr em prática as soluções que podem ajudar a sarar a Terra e a combater a crise climática que se faz sentir na rotina dos nossos dias. Foi por isso que o músico falou com amigos, sondou uma série de organizações ambientais e montou o festival.