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Silvia Mendes
18 maio 2019, 03:10
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Roberto Carlos, esse cara que é amigo e rei

Roberto Carlos, esse cara que é amigo e rei
Rúben Viegas
Silvia Mendes
18 maio 2019, 03:10
Aplauso de pé para celebrar a carreira de Roberto Carlos. Esta noite, a Altice Arena, em Lisboa, recebeu o rei da canção popular brasileira com amor, gratidão e reconhecimento.

 

Roberto Carlos é o rei da canção popular brasileira, mas isso já sabíamos. É também um bem humorado contador de histórias, embora tímido e resguardado sempre que pode. Somando todos os seus êxitos, aos 78 anos, é o senhor de longevidade nobre e voz carismática que deu vida a centenas e centenas de canções que têm amparado corações, em todo o mundo, há quase sessenta anos. 

Roubando descaradamente parte da letra ao músico brasileiro Lulu Santos, podemos dizer que Roberto Carlos talvez seja um dos últimos românticos e sabe sê-lo, por inteiro, em cada palavra, gesto e canção. Se no início da sua carreira era uma das vozes do movimento brasileiro Jovem Guarda, hoje é um romântico da guarda mais amadurecida. Um cavalheiro à moda antiga que, esta noite, foi recebido com um aplauso de pé. Roberto Carlos cantou, de peito aberto, para a geração que o ouvia agarrada ao tão estimado rádio a pilhas e que guardou, até hoje, todas as canções sem deixar que estas tivessem ganhado uma única partícula de pó.

Antes do concerto começar, as pessoas começaram a arrumar-se na sala que, já se sabia, iria estar completamente cheia à hora do início do espetáculo. A noite era de casa esgotada, uma proeza recorrente nos concertos do rei que obrigou à repetição de mais uma data na capital para que ninguém ficasse de fora do reencontro com o cantor.

Nos dois ecrãs que ladeavam o palco, o destaque era dado à experiência "Emoções" que, no próximo ano, vai dar a oportunidade aos fãs de Roberto Carlos de estarem mais perto do músico numa viagem de cruzeiro ao largo do México. Lia-se no cartaz de promoção: "um mundo de emoções ao lado de Roberto Carlos." Hoje, para entrarmos a bordo de um mundo de emoções com Roberto Carlos, não tivemos de ir tão longe.     

A ondulação de emoções começou a ganhar forma com a banda no palco (maestro incluído) a preparar a entrada do cantor mais popular do Brasil. E que banda: saxofones, trompetes, piano, baixo, guitarras, teclas e duas vozes no coro. Todos os instrumentos estavam muito bem entregues aos músicos que, mais à frente, Roberto Carlos gabou diversas vezes, dizendo estarem com distinção entre os melhores do mundo. Alguns são mesmo companheiros de longa data e já fazem parte da família.  

Vestido com o clássico fato azul, Roberto Carlos subiu ao palco da arena para uma noite de Amor Sem Limite que é também o nome da digressão que o trouxe até nós. Assim que entrou no palco (com um fundo a lembrar um céu estrelado de primavera), a sala estremeceu com uma sentida ovação de gratidão e reconhecimento. Todos estavam ali para viver "esse momento lindo", como diz 'Emoções', a canção escolhida (nada ao acaso) para abrir o alinhamento. É um dos grandes clássicos do repertório de Roberto Carlos, no qual o cantor faz contas à vida e conclui que o saldo é positivo. Se não fosse pela letra, teríamos percebido isso mesmo com o sorriso aberto com que saudou a plateia, enquanto cantava.

'Como vai você', 'Além do Horizonte', 'Ilegal, Imoral ou Engorda' e 'Detalhes' (com Roberto Carlos a cantar no violão) seguiram-se no desfile de clássicos, os três resgatados da primeira metade da década de setenta, quando o rock n' roll começou a ser apenas uma memória na carreira do cantor para dar lugar cativo à canção romântica popular. 'Desabafo' e 'Outra Vez', tocadas entre declarações de amor vindas da plateia sorridente e interventiva, foram mais dois exemplos de que a noite seria para ouvir os temas mais emblemáticos da longa estrada do músico.

Roberto Carlos não precisa de levar coros para onde quer que vá atuar, o público assume esse papel com todo o gosto e empenho, tal como o fez em 'Lady Laura', a canção terna e emotiva sobre as alegrias da infância que o cantor compôs para a sua mãe. Talvez seja a música que guarda com mais força no coração e que mais estima entre o vasto repertório. Por já ter perdido a sua mãe Laura, sempre que a canta, Roberto Carlos conta que o faz sem a mesma alegria, mas com ainda mais amor. 

'Nossa Senhora' e 'O Calhambeque' arrancaram novamente uma sinfonia de aplausos que, durante as canções, foi substituída por vozes bem alinhadas nos versos. Por várias vezes, Roberto Carlos deu a honra à plateia de terminar as canções e a verdade é que os que estavam na arena nunca desiludiram.  

O jogo de luzes - de uma simplicidade encantadora - ajudou a adivinhar o momento que estava por chegar. As cores mudaram para o verde e vermelho da bandeira portuguesa e logo percebemos que vinha aí homenagem ao país que estava a receber o rei. Lembrando a surpresa que fez ao público português em 1996, a primeira vez que esteve por cá, Roberto Carlos voltou a cantar o 'Fado de Coimbra', numa versão mais ligeira (muito sua) e um pouco mais distante do nosso fado.  

'Olha', 'Sua estupidez' e 'Mulher Pequena' não faltaram, claro, a esta noite de hinos românticos e, acreditamos nós, não houve ninguém na sala que não tivesse ido à coleção de memórias buscar alguns momentos das suas vidas em que estas canções tenham sido a banda sonora. Cantar sobre o amor é cantar sobre o que nos une, apesar das nossas inevitáveis diferenças e, como disse Roberto Carlos, "todos vivem o amor e a dor. Ninguém vive isto sozinho." É ou não é?

Cada vez mais perto do final, o rei cantou magestosamente 'As Baleias' (para comoção geral e arrepios em série na Altice Arena). Logo depois, 'Esse Cara Sou Eu', a (auto)canção sobre o "cara" que o cantor diz andar a tentar ser há já uns bons anos. "Tenham paciência que eu chego lá", disse a todos, em tom de brincadeira. 

Com o também clássico 'Como é Grande o Meu Amor Por Você' declarou todo o seu amor aos fãs, momentos antes da tradicional distribuição carinhosa de rosas vermelhas e brancas pelas pessoas que foram (a uma velocidade notável) para a frente de palco com a esperança de levarem uma flor para casa. 'Jesus Cristo' foi o tema que deu vida ao momento e a última antes do encore.

'Amigo', uma das muitas canções que compôs com o seu grande companheiro de composição, Erasmos Carlos, foi deixada para o final. A bonita homenagem à amizade foi continuada com 'Um Milhão de Amigos' para quem Roberto Carlos diz querer cantar. Não eram tantos, mas os que foram esta noite esgotaram a Altice Arena e, acima de tudo, não esqueceram "esse cara" amigo que, a cada regresso a Portugal, traz flores e canções de amor.