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Gonçalo Palma
15 outubro 2019, 07:00
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OMD à M80: "Temos durado muito por sermos duas pessoas bem diferentes"

OMD à M80: "Temos durado muito por sermos duas pessoas bem diferentes"
Gonçalo Palma
15 outubro 2019, 07:00
O teclista Paul Humphreys faz a antevisão dos concertos da dupla inglesa em Portugal: hoje na Aula Magna, em Lisboa; amanhã na Casa da Música, no Porto.

Em 40 anos de carreira, que celebram na presente digressão, os Orchestral Manoeuvres in the Dark, mais conhecidos como OMD, vêm pela terceira vez a Portugal. A primeira vinda aconteceu apenas em 2016, no Festival de Vilar de Mouros. No ano passado, deu-se a estreia ao vivo na capital, com um concerto de energia alucinante numa acalorada Aula Magna. 

Um dos membros da dupla inglesa, o teclista Paul Humphreys, lembra-se bem desse concerto em Lisboa, em entrevista à M80. “Não sei porque é nunca tínhamos tocado em Portugal ao longo dos anos. Foi uma emoção finalmente termos atuado em Lisboa no ano passado. O público foi tão impressionante e nós alimentámo-nos disso. Quando o público está tão entusiasmado, nós tiramos proveito disso e torna-se um grande concerto".

 

O teclista Paul Humphreys e o vocalista e baixista Andy McCluskey já se conhecem desde a infância, nos arrabaldes mais pitorescos e costeiros de Liverpool. "Eu e o Andy conhecemo-nos desde os 7 anos de idade, quando andámos na escola primária. Ele é talvez a pessoa que melhor conheço e ele conhece-me igualmente. Estivemos parados durante dez anos. Quando voltámos, foi como se nunca tivéssemos parado. Recomeçámos, fizemos digressões e gravámos novos álbuns. O Andy é um dos meus melhores amigos. Ele foi o padrinho do meu casamento".

 

Paul Humphreys e Andy McCluskey não são apenas dois bons amigos numa banda. São também complementares, num contraste de personalidades ideal para a funcionalidade dos OMD. Paul Humphreys é o tímido, Andy McCluskey é o extrovertido. "Eu e o Andy éramos pessoas completamente diferentes. O Andy é mais agregador, é um frontman natural. Eu não quereria ser um frontman. Ocasionalmente, sou frontman quando apareço à frente para cantar as minhas músicas. Fico feliz por interpretar um par de músicas mas não é a coisa que mais gosto de fazer. Acho piada mas prefiro ser o teclista e um dos compositores e não o homem da frente de palco. Temos tido esta longevidade porque somos diferentes. Abordamos a música de forma muito diferente. O Andy é um homem mais virado para as letras e um conceptualista, eu sou mais um músico".

 

Nesse contraste funcional de personalidades, Andy McCluskey descreve-se em entrevistas como o diretor artístico, retratando o seu amigo Paul como uma espécie de cientista dos sons. Mas Paul Humphreys também encontra outra comparação. "Quando fazemos músicas juntos, o Andy tem tendência para os traços largos, enquanto eu prefiro os detalhes. Descrevemo-nos assim: o Andy é o talhante com o machado, eu sou o cirurgião com o bisturi".

 

Apesar do número razoável de êxitos dos OMD, é possível destacar os seus dois maiores hits: 'Enola Gay' (de 1980) e 'Souvenir' (de 1981). Curiosamente, essas foram as duas primeiras canções de assinatura individual. 'Enola Gay' foi imaginado numa só cabeça, a de Andy McCluskey, enquanto que 'Souvenir' teve a mono-paternidade de Paul Humphreys. Essas duas criações solitárias tiveram em comum a reação cética do membro não envolvido. "Estávamos céticos porque não pudemos mexer no tema. As nossas assinaturas não estavam lá. Mas no final, foram dois êxitos massivos. São duas canções bem famosas. E estamos bastante orgulhosos hoje desses temas. Passámos por um período de adaptação em que ocasionalmente um de nós dirigiria mais a canção que o outro, parcialmente ou na totalidade. Geralmente, escrevemos as canções juntos. Isso pouco importa"

 

 

Enola Gay é sobre o final da II Guerra Mundial (embora esteja também subjacente o alerta para os perigos de uma guerra nuclear durante a era da Guerra Fria em que a canção foi publicada), e há ainda duas canções célebres dos OMD sobre a mártir militar francesa da Guerra dos Cem Anos, Joana D'Arc: 'Joan of Arc' e 'Maid of Orleans (The Waltz Joan of Arc)'. Terão os Orchestral Manoeuvres in the Dark um fascínio por história? "Não queríamos seguir os clichés do rock & roll, em canções como 'querida, amo-te', 'porque é que me deixaste?'. O amor é muito poderoso. Temos escrito canções de amor, mas sem os clichés. Quando começámos, decidimos não fazer canções de amor. Vamos fazer apenas músicas sobre [outros] assuntos interessantes. Os temas sobre a Joana D’Arc surgiram numa digressão em França, em cidades como Orléans ou Rouen. A banda francesa das primeiras partes disse-nos: 'já repararam que estamos a fazer o itinerário da Joana D’Arc. Estamos a tocar em todos os sítios por onde passou a Joana D’Arc'. E nós pensámos: 'OK, temos aqui uma possível canção'". Em relação a 'Enola Gay', "eu o Andy crescemos nos anos 60, quando a II Guerra Mundial não estava assim tão distante. Ainda estava presente nas mentes das pessoas e dos nossos pais. O meu pai foi prisioneiro de guerra, foi obrigado a trabalhar para os nazis na Alemanha. Crescemos a ouvir histórias sobre a II Guerra Mundial, o que era interessante para nós [OMD], incluindo a maquinaria de guerra, especialmente os aviões. Temos uma canção no nosso primeiro álbum chamada 'The Messerschmitt Twins', que era um avião militar alemão. Revendo a II Guerra Mundial, há a estranha história do piloto do avião que atirou a bomba atómica em Hiroshima, chamada 'Enola Gay'. Dedicou à mãe o nome da bomba que matou centenas de milhares de pessoas. 'Que história bizarra, será que não gostava da mãe'".  

 

 

Em 1988, os Orchestral Manoeuvres in the Dark tiveram a experiência alucinante de abrirem os espetáculos para outro nome histórico do synthpop da sua geração, os Depeche Mode, na digressão americana que confirmou a transição da banda de Dave Gahan e de Martin Gore como estrelas de estádio. Essa tour ficou eternizada no documentário de D.A. Pennebaker, "101". Mas os OMD, no final, também fizeram uma boa soma de dinheiro, apesar de significativamente menos que os cabeças-de-cartaz Depeche Mode. "Foi estranho. Foi uma grande digressão. Mas eles tinham o apoio de uma editora na América e nós não. Eles tinham um acordo com a Mute Records em que tinham direito a 50% dos lucros nas vendas dos discos. Nós tínhamos direito a 6%. É muito difícil fazer dinheiro quando tens que pagar tudo a partir daqueles 6%. Mas aquela digressão foi fantástica. Foi incrível porque tocámos naqueles estádios enormes. Coincidiu também com o filme Pretty in Pink”, cuja banda sonora tinha como uma das canções principais a música dos OMD, 'If You Leave'. "Nós também estávamos no top 5 norte-americano. Houve também muita gente a querer ver-nos, embora os Depeche Mode fossem os cabeças-de-cartaz".

 

 

Quase dez anos antes, em 1979, os OMD abriram por várias vezes para outra banda histórica, os Joy Division, em várias cidades britânicas. Paul Humphreys lembra-se bem desse período. "Ter estado em digressão com os Joy Divison e ter tido a oportunidade de ter conhecido Ian Curtis e todos os outros foi incrível. Apaixonámo-nos por esse álbum que eles estavam a tocar, o Unknown Pleasures [longo de estreia], e pela canção Love Will Tear Us Apart [que seria publicada no ano seguinte, já depois do suicídio de Ian Curtis]. O que é engraçado é que o Ian tinha uma maneira de dançar estranha que o Andy também tinha. Conseguia perceber-se o quão especial era aquela banda. Ficámos mortificados quando o Ian Curtis se matou".  

 

 

Os OMD tinham um conceito musical matemático e glacial que encaixava na estética da editora Factory. O próprio designer das capas dos discos dos OMD tornou-se Peter Saville, que estabeleceu o padrão gráfico de muitas das capas de bandas da Factory Records, incluindo os próprios Joy Division. Tinham proximidade geográfica com o selo de Manchester. E até chegaram a editar pela Factory, através do single de estreia Electricity, em 1979. Porque não se enraizou uma relação longa da banda com a Factory? "O que é estranho é que a Factory nos disse que não tinham a infra-estrutura para nos ter. Nós éramos 'o futuro da pop', foi o que o [editor] Tony Wilson nos disse. Isso era para nós um insulto, porque achávamos que fazíamos arte, não nos víamos como uma banda pop. Mas o Tony dizia-nos que o que precisávamos era de uma grande editora e que ele era a passadeira para um grande acordo com uma editora multinacional em Londres. 'OK, Tony, como queiras. Queres arranjar-nos um contrato com uma grande editora, força'. Ele enviou a cópia em vinil do single a todas as editoras. Acabámos por assinar pela Dindisc, que fazia parte da Virgin. Celebrámos um acordo de sete álbuns. De certo modo, ele tinha razão. Mas teria sido interessante termos ficado um pouco mais tempo na Factory. Mas ele achava que não tinha dinheiro para nos ter. Havia os Joy Division e nós. Considerou que éramos uma banda mais comercial e teríamos um maior sucesso numa editora maior. Talvez ele tivesse razão".

 

 

Bochum, Alemanha, 5 de fevereiro de 1982. Aquele não seria apenas mais um concerto para os OMD. Os Kraftwerk estavam plantados à sua frente. "Foi assustador. Foi como se Deus ido ver o teu concerto. Havia essa presença divina de Deus ou Jesus na tua atuação. Eles eram os nossos ídolos. Nós não sabíamos que eles estavam lá até subirmos ao palco. Quando olhámos para cima, estavam os quatro sentado na frente do balcão, todos vestidos de preto. Foi aterrorizador. Mas depois [do concerto] pudemos conhecê-los e ao longo dos anos tornámo-nos amigos de alguns deles", como Karl Bartos ou Wolfgang Flür, membros históricos que não já fazem parte dos Kraftwerk. 

 

Outra grande referência para os OMD é Brian Eno, especialmente para Paul Humphreys. Mas Paul não teve ainda o privilégio de o conhecer pessoalmente, após tantos anos na música. "Adorava-o nos Roxy Music e depois segui a sua carreira a solo. A sua música mais melancólica definitivamente influenciou os OMD. Não há dúvida. Misturámos a rigidez dos Kraftwerk e a beleza [da música de Brian Eno]. O nosso terceiro álbum Architecture & Morality [de 1981] é uma excelente maneira para definir a nossa banda. A arquitetura é a estrutura, como o Kraftwerk, e a moral é a emoção e a melancolia. Definitivamente, tiramos partido da estrutura dos Kraftwerk e da melancolia do Brian Eno".

 

A propósito das comemorações dos 40 anos dos Orchestral Manoeuvres in the Dark, o que preferiria Paul, o nome do grupo no Rock & Roll Hall of Fame ou uma ordem de excelência entregue pela sua Rainha? “Nenhum dos dois. Não quero saber, as distinções não me interessam. Sinto-me honrado por estar ainda a fazer isto após 40 anos. Sinto-me honrado por as pessoas ainda quererem pagar bilhetes para nos verem. Grande parte das datas desta digressão, incluindo na América, têm tido lotação esgotada. Para mim, é uma honra poder subir ao palco em cada noite, para tocar para pessoas que nos querem ver e se querem divertir com a nossa música. Os prémios não me dizem nada”.  

 

No final, a título pessoal, tive a oportunidade de lhe dizer, no final do telefonema, que o tema da sua autoria 'Souvenir' é a canção da minha infância, a música que há mais anos gosto. Paul Humphreys não ficou indiferente: "you made my day". "Essa é a razão porque compomos canções".

O concerto de hoje na Aula Magna, em Lisboa, está marcado para as 21h30. O espetáculo de amanhã na Casa da Música, no Porto, tem já lotação esgotada.